Maria Almira Medina, 29 de agosto de 1920 - 19 de janeiro de 2016
Mais do que a boa amiga que me acompanhou nas lutas, sobretudo dessa fase importante para os que amam a liberdade - o 25 de Abril de 1974 - é a perda duma mulher e cidadã de rara sensibilidade e raro sentido estético, multifacetado nas diversas expressões do sentido artístico, desde a pintura e escultura à poesia, mas sobretudo uma pessoa de absoluta generosidade e transparência, sempre pronta a doar-se sem calcular o retorno.
Agora como na lua
à força de não ter prato
lua - terrina do mundo
cheia de caldo barato
Servem a sopa dos pobres
anjos de barba e bigode
de ventre proeminente
cada um come o que pode
Mas a lua não tem fundo
tem entranhas generosas
transforma a fome em fartura
dá-nos pão em vez de rosas
Os pobres que vão da terra
levam a barriga oca
a solidão dos demais
e a comida foi pouca
Agora comem de tudo
são heróis recém-chegados
lua - terrina do mundo
sopa dos esfomeados.
Maria Almira Medina, 1963 - Um Tempo de Cata-Sol
Epitáfio - 1
Há-de chegar o tempo de soltar
as asas dos silêncios desmedidos
nos espaços redondos imprecisos
dos irrespiráveis cansaços de jograr
Em utópicas memórias desse rosto
da névoa universal que o enleou
o jogral já jogrou
nómadas
as palavras que a serra lhe ensinou
dessedentam as vivências que cismou.
Epitáfio - 2
Anjos e querubins percorrem S. Marçal
soltando flores silvestres, cânticos e ais.
O jogral já jogrou:
requer a gaveta que lhe resta
entre a lua do Lourel - queijo saloio
e os gavetões dos pais.
Maria Almira Medina, 28 de Março de 1998 - Um Tempo de Cata-Sol
(Em breve, mais coisas da grande MARIA ALMIRA. Até sempre, amiga !)
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